sexta-feira, 1 de março de 2013

A morte como prêmio – Motoqueiro fantasma


(Autoria e publicação: Jim Starlin: Almanaque do Capitão América, n. 31, Ed. Abril, dez. 1981, págs. 25-40)

As histórias em quadrinhos têm vários nichos e temas. Um dos mais conhecidos é o dos heróis, ou mais especificamente, dos super-seres, que, tal quais as tradições mitológicas gregas, romanas, nórdicas, asiáticas e outras, trazem seres similares aos humanos em emoção, porém com poderes extraordinários, e feitos que devem ser cumpridos como símbolos de tarefas necessárias ao desenvolvimento e aprimoramento, conforme Joseph Campbell explicou em suas teorizações do mito.
No universo dos super-heróis, nenhum país do planeta conseguiu se igualar às criações dos norte-americanos, como arquétipos daquela nação (mas não só), principalmente criados para as duas maiores editoras do planeta, a Marvel e a DC.
E eu, como leitor na adolescência principalmente dessas histórias, fui muito influenciado no desenvolvimento artistico dos desenhos cujos estilos variavam enormemente, como pelas éticas e morais que norteavam os personagens, cujos criadores decerto também se compraziam em desenvolvê-los. Apesar das mudanças sociais que foram moldando as últimas décadas, tornando esse gênero de quadrinhos cada vez mais realista, ao mesmo tempo que menos maniqueísta, há grandes histórias no sentido de roteiros inteligentes e cativantes, usando os personagens como mestres-guias para o desenvolvimento de mensagens de conteúdos nobres. Foi o caso de muitas HQ como as do mestre do Kung Fu, escritas por Doug Moench, ou a universalidade e minimização de preconceitos com as equipes de heróis, tais como X-Men (Marvel), cuja segunda formação original tinha membros africanos, soviéticos, irlandeses etc, e da Legião de Super-Heróis (DC), cujos integrantes eram oriundos de divresos planetas fictícios. Outros, como Capitão Marvel (da Marvel) tiveram alguns arcos de história memoráveis escritos e desenhados pelo saudoso Jim Starlin (que chegou a matar o herói de câncer…doença que acometeu o pai do artista).
Nesta linha é que pretendo escrever (e ressuscitar) HQ desses naipes que muito me marcaram e ajudaram – repito – na minha formação artística e mental.
Para começar quero escrever sobre uma HQ da personagem Motoqueiro Fantasma publicada no Brasil em 1981, roteirizada e desenhada pelo já mencionado Jim Starlin.  O título em português da HQ é A Morte como prêmio (mais uma vez o fantasma da morte nas HQ desse autor).




 


Porém dessa vez, é um pouco diferente. A história começa com Johnny Blaze pilotando sua moto enquanto reflete sobre sua angústia de ter feito um pacto com Satã, quando repentinamente se vê obrigado a brecar sua moto já que um sujeito se postou bem à frente dele na estrada. Sem perda de tempo, a misteriosa figura se apresenta como a personificação (em forma de caveira mítica) da Morte e pede um desafio ao herói amargurado, com a justificativa de que se cansou das bravatas que Blaze vive lançando contra a morte.
Ela define o concurso em 3 desafios: no primeiro, quem alcançar um motociclista que se encontra a 8 km fica com sua vida…mas Blaze o alcança pouco depois da Morte e vê o homem ser pulverizado quando ela o toca.



O segundo desafio é alcançar uma garotinha perdida de seus pais a 6 km de onde ambos se encontram. Dessa vez, o Motoqueiro Fantasma, para não perder a prova, utiliza-se de um caminho diferente quando vê a menina, cruzando a moto da Morte por cima de um desfiladeiro alcançando-a desesperadamente antes do toque mortal! O último desafio, como Blaze já desconfiara, era sua própria vida: nessa última corrida, o primeiro que alcançasse um cume de uma montanha, sairia vitorioso (a Morte o levaria, ou Blaze conservaria sua vida). Enfim, no percurso, a Morte quase alcança Blaze e vai ultrapassá-lo quando este reflete que as regras foram feitas por ela, e que embora ele hesitasse em usar de subterfúgios desonestos, nesse caso era sua vida que estava em jogo, e sendo a Morte não exatamente uma pessoa, decide enfiar o pé na moto da oponente desequilibrando-a e a fazendo cair do desfiladeiro enquanto Johnny Blaze alcança o cume salvaguardando sua vida.
Em sua última reflexão põe em xeque quantas vezes ainda ele desafiaria a morte…o que pode ser verificado como uma alusão ao estilo de vida que ele leva: perigoso demais!
Assim, Starlin quebra um pouco o padrão de histórias continuadas como novelas, inserindo um plot interessante que pode metaforizar os percalços de cada um de nós e o que fazemos para vencê-los: ora perdendo (quando ele não consegue salvar a vida do primeiro homem), ora vencendo como herói (mantendo a vida da garotinha), e um outro momento tendo que enfrentar e decidir ações em situações de extremo cuidado e rapidez de decisão. Nossas vidas têm estes teores, sejam quais forem nossas profissões: Starlin era mestre em nos colocar a encarar os domínios e liames entre a vida e a morte (vide seu Capitão Marvel e Thanos que buscava o amor da Morte).
Enfim, esta é uma HQ de arte bela com um roteiro intrigante e reflexivo!

Gazy Andraus[1]

[1]Coordenador do Curso de pós em Docêncioa no Ensino Superior da FIG-UNIMESP, Pesquisador do Observatório de Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), Doutor em Ciências da Comunicação da ECA-USP (melhor tese de 2006 pelo HQMIX em 2007), Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, e autor de histórias em quadrinhos autorais adultas, de temática fantástico-filosófica.

3 comentários:

  1. Esse texto, inclusive, já foi publicado no Jornal Graphiq (edfitado por Mário Latino, Suzano-SP), #59, em nov de 2011.

    ResponderExcluir
  2. Ótima resenha.A tempos eu vinha procurando essa aventura pensando ser o origem do Motoqueiro Fantasma.
    Clicar nos quadrinhos abre a estória e fica muito bom de relembrar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que bom,Priscila. Mas como viu, não era a história da origem, mas uma excelente que mostrava um lado filosófico do herói.

      Excluir