Gibi: Super-Homem, nº. 2 – ago. 1984, Abril
Roteiro: Len Wein;
Arte: Neal Adams;
Figs. 1 e 2
Prof. Dr.
Gazy Andraus[1]
Retomando minhas
resenhas acerca das HQs de Super-Heróis clássicas publicadas nas décadas
passadas que promoveram a mim intensa atividade na leitura e realização de
desenhos, lembro-me que vez ou outra, saíam histórias em que não eram do padrão
de roteiros com vilões, trazendo um diferencial das que existem hoje em dia,
sempre massacrantes nas ações e nunca dando fôlego ao leitor, e para que
adquira todas as revistas com roteiros continuados em outras revistas
etc.
Figs. 3 e 4
Uma dessas histórias
interessantes, curtas e que brincam com o personagem em sua identidade secreta,
sem ter que expor sua fantasia de herói, foi com Super-Homem na série “A vida
particular de Clark Kent”. Tal HQ, decerto parte de uma série cujas outras histórias
não me lembro se vi, saiu pelo menos duas vezes no Brasil (figs 1 e 2):
a primeira em preto e branco pela EBAL (1973) e na segunda, colorida e em
formatinho pela Abril (1984), que falhou em não dar os créditos (mas que haviam
sido dados na EBAL). O roteiro era de Len Wein e a arte do magistral Neal
Adams. Há um jogo de ângulos distintos e perspectivas variadas no cenário, que
Adams costumava usar (figs. 3 e 4). Mas nesse caso em específico,
usou tais recursos mais ainda, devido ao que pedia a própria história,
enriquecendo-a cinematograficamente. Na HQ, Clark Kent é interpelado por sua
vizinha de apartamento, que lhe pede auxílio por alguns minutos, a cuidar de
sua filhinha que aparenta ter quase uns 2 anos, enquanto ela precisava sair.
Sem ter tempo de negar o auxílio, apesar de estar preocupado em realizar um
trabalho jornalístico, Clark é obrigado a aceitar a tarefa. Dentro do
apartamento da amiga, enquanto usa o telefone para avisar que iria se atrasar
para uma entrevista marcada que ele faria, percebe que a criança se esvaiu da
poltrona, sumindo de seus cuidados. A seguir, nas 5 páginas restantes (a HQ tem
apenas 7 páginas), com o jogo de câmeras que Adams desenha (câmera alta, baixa,
plano de detalhe e close dentre outros, como se vê nas fig.s 5 e 6), e com o roteiro
enxuto de Wein, o super-homem humanizado passa a averiguar os cômodos do
apartamento, saindo pelos corredores do andar e até visitando outra moradora ao
perceber um choro vindo do apto dela...mas descobre ser outra a criança lá
habitando (figs. 7 e 8).
Figs 5 e 6 |
Figs 7 e 8 |
No último quadrinho da
penúltima página, retorna ao apartamento da desaparecida e a encontra quietinha
na mesma poltrona de onde sumira ao princípio, como se nunca houvesse
desvanecido. Para arrematar e descobrir como ela havia se evadido e
voltado sem que ele percebesse ou soubesse onde se escondera, Kent finge ir ao
telefone novamente e como um detetive, de soslaio, fica a verificar os passos
da menina, descobrindo, por fim, que ela saíra engatinhando pela portinhola
inferior da porta, usada nos EUA para quem possui animais de estimação em casa
(fig. 9).
Fig. 9 |
Ao final, há um pouco
de humor: ao se despedir da vizinha já de volta e agradecida pelo cuidado de
Kent com sua filhinha, e após tal trabalho que parecia leve mas que lhe exigiu
perspicácia, o Super-Homem em potencial, reflete como um simples humano aliviado,
dizendo a ela: “Não foi nada! Ela não deu trabalho nenhum!” Enquanto pensa: “Só
quase me matou de susto” (na versão traduzida da Abril, já que na da EBAL tal
pensamento não aparece, perdendo muito desse humor singelo – restando saber se
no original havia tal balão: ao que penso que sim, pois denota que os autores
da HQ quiseram mostrar que por mais super que um ser possa transparecer, há
situações cotidianas mas que surpreenderiam até o mais poderoso dos homens, no
caso, o Super-Homem). A HQ é simples, com poucas páginas, mas um alento, pois
em meio a aventuras fantásticas, epopéias galácticas, guerras espaciais etc, há
uma afinidade do que ocorre habitualmente nas HQs desse gênero com as situações
cotidianas, tornando-as quase tão estressantes como seria uma luta contra um
vilão superpoderoso qualquer. Não sei se atualmente tais temas sumiram de vez
nos quadrinhos de heróis, mas seria interessante as novas gerações saberem que
existiram...e que eram bem feitas e interessantes, intercalando vez ou outra
com as epopéias, e usando conceitos atinentes às qualidades dos heróis (a
astúcia de um detetive como Batman, a inteligência arguta de um super-homem
etc, sem necessitar usar força bruta e sem um vilão sempre a molestar alguém).
Simplesmente uma criança, com sua pureza e inteligência brincando com um
adulto! Na DC Comics eu lia mais HQs desse tipo, do que nas da Marvel, mas
fica aqui o desafio aos leitores: se havia HQs assim na editora
concorrente e/ou se ainda aparecem histórias como essas nas páginas das
"Crises" e batalhas homéricas sem fim (sei que Alan Moore vez ou
outra prestava tais homenagens, inclusive a Will Eisner, compondo roteiros
atuais com situações ingênuas como as antigas)! Então, espero que haja! Ainda
mais com desenhos tão bons como esses de Adams. Fica aqui minha homenagem a
essa época e a algumas dessas histórias deliciosas de se ler!
Gazy Andraus, São Vicente, 02 de
abril de 2015.
[1] Coordenador e prof. do Curso de Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior e criador da disciplina de HQ e Zine no curso de Tecnólogo em Design Gráfico da FIG-UNIMESP - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, mestre em Artes pela UNESP, pesquisador do Observatório de HQ da USP e autor independente de HQ fantástico-filosófica. gazyandraus@gmail.com ; http://tesegazy.blogspot.com/, http://classichqs.blogspot.com.br/
ótima análise! prof, conhece uma historia em que o super usa poder mental pra q as pessoas nao percebam q ele é a cara do clark? adoraria um parecer seu... vlws!!
ResponderExcluirSim, já tinha lido. Mas não me lembro se a tenho. Se vc a identificar em que gibi, me avise pra eu reler.
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