quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Uma ode antiga ao Natal Atual

Gibi: Super-Heróis Marvel, nº. 7 – jan. 1980, RGE

O Coisa e Motoqueiro Fantasma juntos

Capa  
Roteiro: Steve gerber; Arte: Sal Buscema; Arte-Final: Mike Espósito
“Noite de Paz, noite de morte”

por Gazy Andraus


Fig. 1 (fig. 1 a 6: fonte: arquivo pessoal do autor)
Retomando meu blog de HQ clássicas de Super-Heróis, resolvi não escolher uma das melhores histórias em quadrinhos para mim, porém uma com aspectos suficientes que ajudaram a moldar e marcar minha adolescência e que me cativa pela memória devido à época que adquiri a revista logo após o natal em plenas férias escolares: aliado a isso, as imagens desenhadas na segunda HQ da revista Super-Heróis Marvel (fig. 1) com os céus escuros e estrelados cujo enredo trazia em pauta a questão natalina da comemoração do (suposto) nascimento de Jesus Cristo proemiando aquela sensação do espírito natalino que na infância e na adolescência eu possuía (influenciado pela sociedade e família e que hoje só me restaram mesmo tais lembranças, já que com a maturidade percebi o engodo que se tornaram tais festas “natalinas” consumíveis).
Pois bem, ao adquirir a revista na banca, com meus 13 anos, tendo a primeira das duas HQs como protagonistas o Homem-Aranha e Tocha Humana juntos contra Morbius (na arte de Ross Andru, cujo estilo em perspectivde desenhar corpos humanos eu não admirava) e a segunda HQ sob o título Noite de Paz e Noite de Morte com o Coisa e Motoqueiro Fantasma, em que na página de abertura da história apareciam os quadrinhos com o céu estrelado noturno, fiquei contente e motivado, pois os desenhos, ainda que de Sal Buscema (cuja arte era mediana, mas de estilo preferível a de Andru no quesito anatomia) traziam nos quadrinhos um enredo visual instigante. Aquela coleção Super-Heróis Marvel da RGE Editora perfilava em cada edição, duas revistas norte-americanas da Marvel traduzidas, que eram respectivamente Marvel Team-UP (com o protagonista Homem-Aranha sempre com outro super-herói adjunto) e Marvel Two in One (sempre com o Coisa auxiliado por algum outro super-ser), e desconheço se esses títulos norte-americanos ainda existam (suponho que não mais, dadas as mudanças que aconteceram no âmbito das personalidades dos heróis e lides editoriais que causaram tais modificações). 
Fig. 4
O roteiro de Noite de Paz e Noite de Morte, apesar de não ser tão original chega a ser um tanto criativo. Nele, abre-se a HQ com o Motoqueiro Fantasma em uma de suas incursões bucólicas em busca de um caminho renovado buscando se adaptar à maldição noturna de sempre transformar-se numa caveira flamejante. Assim, surge atravessando com sua moto uma das áreas desérticas e indígenas do oeste norte-americano, quando espantosamente quase atropela uma comitiva de três homens montados em camelos (fig. 2). Instigado com o incidente, percebe depois que há uma cidade 
Figs 2, 3 e 4a
ao longe e junta as informações que parecem reproduzir um momento bíblico com uma peculiaridade: as pessoas pareciam hipnotizadas e de feições indígenas (fig. 3). O roteiro faz um corte para a cidade que abriga a sede dos 4 Fantásticos, que está prestes a comemorar o natal daquele ano (fig. 4), enquanto que Reed Richards, o cientista herói de borracha detecta uma estranha anomalia na região, sem saber que é onde se passa o fato com o Motoqueiro Fantasma (fig. 4a). Ben Grimm, o Coisa, se oferece para ir ao lugar de Reed, e assim se dá o encontro do Motoqueiro com o Coisa que se deparam com um inimigo do quarteto antigo dado como morto numa aventura anterior, o Herege (cujo bigode  nessa aventura surreal lembra o do pintor Salvador Dali, talvez apenas uma coincidência visual)Na aventura fica claro que o intuito do vilão é típico da visão estereotipada simplória de antes: a da megalomania de um doente mental com poderes místicos que ganhou, no caso, com a convivência com os espíritos indígenas dos Cheemuzwa, que o avisaram a não desejar o poder absoluto. Mas como todo vilão, traiu a tribo quando retornou, matando-os (antes em outra aventura que é explicada resumidamente) e insuflando a eles novas substâncias que os fizeram reviver como escravos (nessa aventura de agora), encenando o nascimento de Cristo, através de uma criança criada pelos poderes do próprio Herege. Tudo refeito e planejado pelo vilão, que se porta como um Deus que vai enlouquecendo aos poucos: ou seja, não parece haver um objetivo de lucro ou destruição planetária, mas sim de escravismo aos indígenas redivivos que se submetem a sua loucura apoteótica de um falso messias (fig. 5). Tal plano desmorona com a presença e ação dos dois heróis que libertam os indígenas da falsa ilusão, enquanto o ensandecido vilão, tal qual Nero, põe fogo em toda cidadela por ele recriada a partir de uma reserva indígena, até ser contido pelo herói de pedra, o Coisa.  Assim, os indígenas ressuscitados retornam a seu mundo pós-morte, à exceção do menino que fazia as vezes de Jesus no berço, e que é resgatado por outro índio liberto que lá estava hipnotizado e não havia morrido, Wiatt Wingfoot (amigo dos 4 Fantásticos) e uma indígena que se prestam a tomar conta do garoto (fig. 6). A história é singela e ao mesmo tempo tem um potencial de realismo fantástico (ou surreal),  mas criativa por isso mesmo, e a arte de Buscema é boa nesta fase (à exceção do letramento da tradução brasileira adaptada pela RGE, que é muito grande para o formatinho da revista, prejudicando bastante a visualização dos desenhos nos quadrinhos).
Fig. 5
Fig. 6

Mas meu intento em retornar a meu blog com mais histórias “clássicas” foi me lembrar que o visual dessa HQ, mais o tema natalino, coadunado à minha fase adolescente de férias visitado por parentes e primos, e lembrando-me de quando comprei a revista e que até hoje costumo rever a arte dessa HQ (muito também porque renego as artes atuais da maioria dos desenhistas de super-heróis contemporâneos, pois o fazem  com desenhos sem interação real com os roteiristas norte-americanos, e a meu ver, com desenhos extremamente bem feitos, mas sem alma e sem estilo próprio muitas vezes, aparentando falsamente tê-lo. Sem mencionar as mudanças das personalidades dos heróis da atualidade: o Motoqueiro Fantasma nem de longe parece ser esse que aqui é mostrado nessa HQ, cujas histórias versavam por vários temas, até mesmo de ecologia, como noutra aventura do personagem que saiu num gibi dos Heróis da TV em que ele se depara com um homem vingativo que matava golfinhos).
Essas premissas e lembranças mantiveram-me contente e na memória de que tal HQ como a demonstrada aqui, me enterneceu visualmente à época, devido ao fato dos desenhos mostrarem um céu estrelado que se coadunava com o deserto e a figura solitário-filosófica do herói, e seu encontro com um cenário instigante, e um roteiro surreal, apesar de simplório. Outro fator foi o tema natalino e a sensação daquele momento bíblico revivido pelos personagens que me remetiam ao sentimento acalentador e fraterno que eu possuía (sentimentos esses que não vejo mais nesse período obscuro e falsamente alardeado como natalino, mas comercialmente amplificado ao extremo). E assim compartilho um pouco do que senti à época, com uma porção de arte que me fez vibrar e conduziu minha mente nos processos criativos a partir daquelas leituras, sejam pelo roteiro, sejam pela arte, não tão boas assim, no caso, mas suficientes e esteticamente belas para me trazerem sempre à memória de um período em que eu era sempre reavivado com tais momentos de alegria ao adquirir um gibi como aquele, ainda mais se coadunado a uma época festiva e de certa maneira lúdica como a natalina de minha juventude, e partilhá-la a quem o queira, na atualidade, aqui em meu singelo e rememorativo blog.
De toda maneira, espero que entendam, apreciem o contexto da HQ (e àqueles que se sentirem motivados, digitem no Google “Marvel Two-in-One 008 (Ghost Rider).cbz” para baixar a HQ original via torrentz para ser lida no computador – baixem também um programa chamado CBR para conseguirem abrir e ler a história). Vide aqui a página de abertura original e comparem como no Brasil diminuem o texto para caber no então formatinho da revista (fig. 7).
Fig. 7: fonte Marvel Two-in-One 008 (Ghost Rider).cbz
A todos, um Feliz Total (trocadilho com aquele espírito d´antanho que eu comunguei a vocês), e  estendido a todos os outros doutras religiões (e até agnósticos ou ateus), já que em realidade essa data é uma alteração com anuência dos romanos às festividades pagãs que eram realizadas em 25 de dezembro anteriores: refiro-me então, ao espírito fraterno, sendo ou não natalino, como substituto de tal esfuziante data, se esta nada diz a alguns ou muitos de nós! Feliz Total!


Prof. Dr. Gazy Andraus[1], São Vicente, 23 e 24 de dezembro de 2014.




[1] Coordenador e prof. do Curso de Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior e criador da disciplina de HQ e Zine no curso de Tecnólogo em Design Gráfico da FIG-UNIMESP - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, mestre em Artes pela UNESP, pesquisador do Observatório de HQ da USP e autor independente de HQ fantástico-filosófica.  gazyandraus@gmail.comhttp://tesegazy.blogspot.com/, http://classichqs.blogspot.com.br/

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